A produção do conhecimento científico, na perspectiva do racionalismo crítico de Karl Popper (1902-1994), deve-se sobretudo à racionalidade judicante de uma sociedade imaginativa e aberta às experiências de falsificação dos sistemas teóricos vigentes. Em A Lógica da Pesquisa Científica, o autor sustenta que "as teorias científicas nunca são inteiramente justificáveis ou verificáveis, mas que, não obstante, são susceptíveis de se verem submetidas a prova, [... enfatizando que] a 'objetividade' dos enunciados científicos reside na circunstância de eles poderem ser intersubjetivamente submetidos a testes" (POPPER, 1972, p. 50), ou seja, proposições científicas seriam hipóteses falsificáveis cuja medida de aceitabilidade dependeria do grau da corroboração refutante. Nessa perspectiva, a lógica da pesquisa é pensada a partir do modelo do jogo interminável, em que o valor de verdade agregado a uma teoria se deve a sua resistência às falsificações, e não à insistência das verificações [e, aqui, importa não confundir verdade e validade, pois esta diz respeito à lógica do pensamento]. Assim, em matéria de ciência, o valor de verdade de uma proposição universal nada deve à insistência das ocorrências empíricas a que ela se remete. Isso significa dizer que o que torna verdadeira a proposição todos os cisnes são brancos não é a insistente recorrência de cisnes brancos, e sim a resistente ocorrência de pesquisas por um cisne não branco. Desse modo, a universalidade das proposições científicas deixa de ser absoluta, como em todo x é p, e passa a ser genuína, como em todo x é p, enquanto a imaginação não encontrar um modo de que algum x não seja p. A imaginação criadora, de que teriam dado exemplo Newton, Kekulé, Fleming, Franklin e outros cientistas distanciados da ortodoxia metodológica, é a instância crucial da pesquisa falsificacionista. Com efeito, para Popper, não são as instâncias da observação, da verificação e da indução que garantem o caminho seguro da ciência, e sim a criatividade dirigida à falsificação das proposições universais absolutas apregoadas por positivistas-indutivistas, contra os quais Popper cita o anedótico caso do peru de Natal que, tendo sido engordado por um longo período de tempo, verificou, em sua volumosa e detalhada planilha de registros das ocorrências empíricas que observara atentamente por toda a sua vida, a insistência do algarismo 9 na coluna hora junto às anotações de Recebimento de Ração. O peru, vendo-se diante da instância crucial da indução, positivamente inferiu a seguinte proposição de caráter universal e absoluto: Todas as 9h serei alimentado!. E a data em que publicou essa maravilhosa descoberta científica coincidiu com a da véspera da ceia natalícia em que se serviu, como alimento, um peru indutivista.
Referência(s):COSTA, Israel Alexandria. Do falsificacionismo popperiano. Arapiraca, AL: Grupo de Pesquisa Gnosiologia, Ética e Informação / CNPq / Ufal - Projeto Web Filosofia, 2021. Disponível em: https://www.gpgeinfo.org/p/ppprcnc.html. Acesso em: 7 maio 2021.
POPPER, Karl Raimund. A Lógica da Pesquisa Científica. Tradução Leonidas Hesenberg; Octanny Silveira da Motta. São Paulo: Cultrix, 1972.
RUDOFSKY, S.; WOTIZ, J. H. Psychologists and the dream accounts of August Kekulé. Ambix, v. 35, p. 31-38, 1988.
Atividade(s):
1)
405/pl/fc_s10