Em Immanuel Kant (1724-1804), a palavra crítica significa análise das condições de possibilidade de existência de uma coisa, de modo que seu propósito junto às suas três grandes obras — Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e Crítica do Juízo — é analisar as condições de possibilidade da ciência, da ética e da estética, respectivamente. Com efeito, a Crítica da Razão Pura é uma obra dirigida a determinar os limites da ciência, a demarcar o poder do método científico, a responder à pergunta "o que podemos conhecer?". E a resposta que Kant fornece nessa crítica em particular denuncia as ilusões dos tradicionais métodos científicos, tanto dos indutivistas quanto dos deducionistas.
Contra os indutivistas, Kant alerta que não podemos extrair diretamente os dados empíricos da natureza, pois nossa experiência não se dá junto à natureza, mas ao fenômeno, que é uma espécie de acordo entre o nosso aparelho perceptivo e a natureza ou, para dizer de modo kantiano, uma aparência resultante do acordo entre as intuições estéticas a priori do sujeito transcendental e o nômeno [coisa-em-si]. Em termos alegóricos, isso significa replicar, contra Bacon, que a ciência pode não ser o líquido dourado produzido a partir das reações entre o néctar das flores e as enzimas estomacais das abelhas, mas teia dourada produzida por aranhas-abelhas a quem a mosca parece flor. A questão é que não podemos dizer do fenômeno flor que ele existe como coisa-em-si, pois o que aos seres racionais tem aparência de flor pode assumir outra aparência para seres não racionais. Para Kant, a natureza não se dá inteira e espontaneamente para nós: ela só dá o que lhe pedimos, como uma testemunha obrigada a responder apenas ao que um juiz nomeado lhe pergunta.
Contra os dedutivistas, Kant alerta que o nosso aparelho cognitivo não está apto para conhecer verdades de ordem metafísica, a partir das quais seja possível inferir verdades de ordem física. É que, embora nossa razão esteja equipada para pensar em ideias metafísicas, isso não significa que ela esteja equipada para conhecer ideias ou montar raciocínios silogísticos a partir delas. Por exemplo, podemos pensar as ideias de Eu, Deus, Mundo, Liberdade, etc. e até tentar explicar coisas à luz delas, mas não podemos conhecê-las nem pô-las na linha das sequências causais, porque nossa cognição só está equipada para conhecer e relacionar fenômenos entre si. As ideias, não sendo fenômenos, não sendo coisas que aparecem, não podem aparecer junto a fenômenos em nossa linguagem, sob o risco de produzirmos erros lógicos, a exemplo do que acontece quando apontamos para uma foto ou para uma imagem no espelho e dizemos "este sou Eu", caso em que se incorre no falso raciocínio de situar a ideia de Eu no lugar do fenômeno para o qual o Eu aponta.
Pode-se dizer que as contribuições da crítica kantiana às tradições indutivistas e às dedutivistas resvalam numa espécie de abdutivismo na medida em que esse método pode ser pensado como uma espécie de acordo entre os dois anteriores.
COSTA, Israel Alexandria. O criticismo kantiano: conteúdo de aula on-line. Arapiraca, AL: Grupo de Pesquisa Gnosiologia, Ética e Informação / CNPq / Ufal - Projeto Web Filosofia, 2021. Disponível em: https://www.gpgeinfo.org/p/kntcrtc.html. Acesso em: 24 mar. 2021.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução Valério Rohden; Udo Baldur Moosburger. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
Atividade(s):
a)
405/pl/fc_e06