A História da Filosofia Ocidental, na medida em que se acredita que ela teve origem com Tales de Mileto, confunde-se com a própria História da Ciência, porquanto a racionalidade científica insurge-se no momento em que as teogonias e as cosmogonias que formam o corpo dos mitos da Grécia arcaica dão lugar à teoria da arché universal, ou seja, à especulação que coloca sob suspeita a opinião de que as origens do universo e dos deuses poderiam ser explicadas e justificadas a partir da transposição de saberes biomáticos, quando as informações aparecem sob a forma de viventes gerados pelo desenvolvimento de uma árvore genealógica.
Com efeito, a palavra arché significa mais um princípio elementar que subjaz a um ser estático, como o número 1 subjaz à fórmula x=10-9, do que um elemento inicial situado na origem de um devir fluídico, como a nota fá, em relação à fluência melódica do concerto em si menor, Op. 35, de Oskar Rieding ou; como o homem natural de Rousseau, em relação ao desdobramento genealógico que resultou no homo sapiens.
A nova cosmovisão arquetípica surgida com Tales pode ser acusada de ser nada além de uma transposição morta de saberes matemáticos produzidos pela observação das relações geométricas entre formas fixas, mas não é o caso, pois a teoria talesiana da arché identifica esta ao úmido e foi daí que se originaram os embriões da ciência moderna tal como a entendemos. Os diversos desdobramentos dessa teoria da arché-água, dentre os quais estão o atomismo, o pitagorismo e o eleatismo, podem ser compreendidos como partes de um processo de desenvolvimento que resultará numa ciência audaz, tão ousada quanto a adolescência do Alexandre Magno, já no período greco-clássico, quando a racionalidade científica amplia o seu domínio ao incorporar em sua Physis uma Paideia que dita regras para a cultura humana.
Três sistemas são paradigmáticos nessa Paideia: 1º) o conceitualismo socrático, em que a racionalidade científica estende-se para a fala política, exigindo que esta seja uma expressão da lógica do pensamento; 2º) o idealismo platônico, quando os princípios elementares da estrutura da Physis adquirem autonomia, tornando-se, eles mesmos, um mundo à parte de ideias capazes de regular ações humanas; 3º) o hilemorfismo aristotélico, quando a racionalidade científica instaura o paradigma arquetípico sobre os próprios saberes biomáticos que haviam servido como paradigma gonádico das cosmovisões arcaicas, criando, assim, os saberes biológicos.
COSTA, Israel Alexandria. As origens greco-clássicas da ciência. Arapiraca, AL: Grupo de Pesquisa Gnosiologia, Ética e Informação / CNPq / Ufal - Projeto Web Filosofia, 2021. Disponível em: https://www.gpgeinfo.org/p/cstcncorgns.html. Acesso em: 11 abr. 2021.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003-2006. 7 v.
RIEDING, Oskar. Concerto em si menor, Op. 35. In: RIEDING, O. Concerto em si menor. [S. l.]: Erasmo Fernandes, 2006. p. 2-14. 1 partitura (19 p). Violino & Piano. Disponível em: http://paulinyi.com/anexos/partituras/Rieding-Concerto-b-op.35.pdf. Acesso em: 4 maio 2021.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução Lourdes Santos Machado. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 215-82.