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Das lógicas da pesquisa científica contemporânea

A racionalidade científica moderna, depois do seu desabrigo cultural devido, em grande parte, à suspeita lançada pelas acusações da Teoria Crítica, encontrou, no século XX, um novo abrigo nas lógicas da pesquisa, às quais se distinguem da lógica do pensamento por apresentar, em suas ramificações, uma capilaridade quase invisível em suas interações com a dimensão empírica. Vários pensadores, como Marx, Nietzsche e Ortega y Gasset, contribuíram para esse novo locus ao apontarem para a existência de uma racionalidade impregnada no corpo vivo. Além disso, Thomas Kuhn lança um livro apontando para uma tão grande diversidade de paradigmas no âmago da própria História da Ciência que invalida, de certo modo, qualquer justificativa de uma ciência abstrata que progride linearmente como que pairando sobre as vicissitudes da vida concreta. Pela primeira vez, ao que parece, a ciência não procura mais se abrigar na ideia de progresso, nos métodos rígidos e nos conceitos universais que a tornam afastada, em certa medida, daquela complexidade de que fala Morin. Com Wittgenstein e, mais recentemente, com os recursos da computação digital, a impregnação dos códigos e dos algoritmos lógicos com o corpo vivo sedimenta-se ao ponto de se estabelecer que a linguagem lógica é figuração do mundo.

Contudo, ao se aliar à complexidade do mundo vivo, o trabalho científico torna-se inteiramente regulado por uma deontologia da precariedade epistêmica explicada e justificada pelo falsificacionismo popperiano, pelo falibilismo peirciano e pelo anarquisno feyerabendiano: doutrinas que, respectivamente, pugnam pelo dever que a ciência contemporânea tem de reconhecer (a) que as proposições científicas universais devem deixar de ser absolutas para se tornarem genuínas, de modo que a verdade de uma proposição tem como fundamento o acolhimento das livres e imaginativas tentativas de falseamento; (b) que a eficácia pragmática da ciência se deve mais à falibilidade dos raciocínios abdutivos, que à estabilidade dos raciocínios indutivos e dedutivos; (c) que as grandes descobertas científicas devem mais à ousadia libertária e à jovialidade inventiva, que à fidelidade em relação à monarquia do método.

Referência(s):
COSTA, Israel Alexandria. Das lógicas da pesquisa científica contemporânea. Arapiraca, AL: Grupo de Pesquisa Gnosiologia, Ética e Informação / CNPq / Ufal - Projeto Web Filosofia, 2021. Disponível em: https://www.gpgeinfo.org/p/cstcnclgcs.html. Acesso em: 24 mar. 2021.
FEYERABEND, Paul Karl. Contra o método. Tradução Octanny S. da Mota; Leonidas Hegenberg. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Tradução Luis Claudio de Castro e Costa. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Tradução Eliane Lisboa. Porto Alegre: Sulina, 2006.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma filosofia do porvir. Tradução Paulo José de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
ORTEGA Y GASSET, José. Meditación de la Técnica. 3. ed. Madrid: Revista de Occidente, 1957.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. Tradução Octanny Silveira da Motta e Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972.
POPPER, Karl Raimund. A Lógica da Pesquisa Científica. Tradução Leonidas Hesenberg; Octanny Silveira da Motta. São Paulo: Cultrix, 1972.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. Tradução Luiz Henrique Lopes dos Santos. 3. ed. São Paulo: USP, 2001.