Michel Foucault afirma que uma das mais antigas funções do filósofo no Ocidente é "colocar um limite ao excesso de poder" (2004, p. 39). Com efeito, esse parece ser o caso dos filósofos que se voltam contra o chamado despotismo da ciência moderna. Um dos primeiros a chamar a atenção para esse risco foi Rousseau, para quem a ciência do XVIII francês parecia abrigar o perigo de embelezar a escravidão, tornando-se, assim, um instrumento poderoso para os déspotas "esclarecidos". Depois do fenômeno positivista da superprodução de poder da ciência instrumental, que alcançou o seu cume no século XX, com os casos Auschwitz e Hiroshima, apareceram os filósofos da teoria crítica, talvez muito tardiamente, para assinalar os sintomas nefastos do casamento entre ciência e racionalidade instrumental. Contudo, não se pode culpar o silêncio dos filósofos durante o período que separa Rousseau e os pensadores da escola crítica de Frankfurt. Nesse intervalo, está Nietzsche a alertar que a ciência instrumentalista é doença e desprezo do corpo, tentativa amedrontada do homem do rebanho em reprimir sua besta interior. Em outro intervalo, o que separa Frankfurt da atualidade, situa-se Hannah Arendt, que vê na cultura da ciência um processo que transita em paralelo com a morte da ação. Isso significa que, desde Rousseau, a filosofia da cultura bate na mesma tecla: a ciência moderna, como qualquer outra forma de cultura, não deve ameaçar o poder de outras culturas, como a cultura filosófica, a política, a religiosa, etc.; não deve se tornar uma monocultura desenvolvida em prejuízo da multiculturalidade.
Referência(s):ADORNO, Theodor Ludwig Wiesengrund; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
COSTA, Israel Alexandria. Críticas da cultura científica moderna. Arapiraca, AL: Grupo de Pesquisa Gnosiologia, Ética e Informação / CNPq / Ufal - Projeto Web Filosofia, 2021. Disponível em: https://www.gpgeinfo.org/p/cstcnccltr.html. Acesso em: 24 mar. 2021.
FOUCAULT, Michel. Ética, Sexualidade, Política. Tradução Elisa Monteiro; Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma filosofia do porvir. Tradução Paulo José de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes. Tradução Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 329-361.