A ideia filosófica que ilumina a obra de Francis Bacon (1561-1626) está expressa no Aforismo III do Livro I do Novum Organum: "Ciência e poder do homem coincidem" (2020, p. 6). À luz dessa ideia, a relação homem-natureza se aproxima do devir da colonização, afastando-se tanto do devir da fraternidade — proposto pela Ur-religião, na qual a natureza é percebida por uma religiosidade matriarcal que frequentemente a identifica com Gaia, a Mãe comum dos homens e de todas as formas de vida engendradas no útero da terra —, como do devir da amizade, proposto pelo estoicismo, em que o exílio em lugares ermos nunca é considerado uma prática isolacionista, porque a natureza far-se-ia amiga e companheira dos solitários.
Com efeito, para Bacon, o homem está destinado, através da colonização pela ciência, a ser rei da natureza. E, para que o seu reinado seja glorioso, ele precisa contar com guerreiros para defender o reino contra as quatro hordas de inimigos que buscam impedir o progresso do conhecimento, e com operários para construir e preservar a colônia da ciência.
Essas quatro hordas são formadas, respectivamente, pelos quatro grupos de preconceituosos que idolatram os seus próprios preconceitos.
O primeiro grupo é o que idolatra os idola tribus [ídolos da tribo], os preconceitos advindos das falhas e insuficiências dos sentidos da espécie humana: são os que costumam afirmar que os sentidos do homem é a medida de todas as coisas;
o segundo grupo curva-se aos idola specus [ídolos da caverna], os oriundos da educação e das inclinações pessoais;
o terceiro, aos idola fori [ídolos do mercado], os provenientes da tirania da linguagem;
o quarto, aos idola theatri [ídolos do teatro], os nascidos do respeito exagerado por autoridades sociais.
A esse instrumental defensivo soma-se um novo instrumental construtivo da ciência, para que a produção do conhecimento não fique parecida com a da teia de aranha: algo expelido exclusivamente da própria substância do inseto, em vez de algo resultante da mistura da substância do inseto com a do que não é inseto. Assim, o Organum [Instrumento] aristotélico estaria para o Novum Organum [Novo Instrumento] baconiano como a aranha estaria para a abelha, pois dessa nasceria um produto resultante de uma mistura da substância do inseto com a substância da flor. O "cientista-abelha" do Novum Organum seria aquele que, através da sucção dos variados néctares [coleta e descrição das experiências particulares] e da doação das próprias enzimas digestivas [coordenação das coletas através de tábuas de presenças, ausências e graus] é capaz de realizar transmutações químicas [instâncias constituídas de formulações e provas de hipóteses em sucessivos experimentos] que resultam em mel [que induzem à "verdadeira interpretação da natureza" (BACON, 2020, I, L, p. 18)].
Em Bacon, a colmeia ideal chamar-se-ia Nova Atlântida: o país onde hospitaleiros e tímidos cientistas operários constroem maravilhas tão admiráveis quanto as que os animosos e taurinos filhos de Poseidon teriam construído na Atlântida platônica.
BACON, Francis. Nova Atlântida. Tradução José Aluysio Reis de Andrade. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
BACON, Francis. Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza. Tradução José Aluysio Reis de Andrade. [S.l.]: CultVox, ca. 2020. Originalmente publicado em 1620. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000047.pdf. Acesso em: 16 jul. 2020.
COSTA, Israel Alexandria. Do indutivismo baconiano: conteúdo de aula on-line. Arapiraca, AL: Grupo de Pesquisa Gnosiologia, Ética e Informação / CNPq / Ufal - Projeto Web Filosofia, 2021. Disponível em: https://www.gpgeinfo.org/p/bcncnc.html. Acesso em: 20 mar. 2021.
PLATÃO. Timeu-Crítias. Tradução Rodolfo Lopes. Coimbra: ECH, 2011. (Coleção Autores gregos e latinos).
Atividade(s):
a)
405/pl/fc_e04