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O ativismo arendtiano

Nas obras teóricas de Hannah Arendt (1906-1975), a chamada condição humana é algo que integra duas formas de vida: a vita contemplativa e a vita activa. Esta, por sua vez, integra três dimensões: a dimensão da reprodução laboral [labor], da atividade presa a processos naturais, em que o homem enquanto animal laborans apenas sobrevive; a da produção trabalhista [work], a atividade associada às obras de arte históricas, em que o homo faber mostra o que faz e; a dimensão da ação política [action], da atividade livre dos processos e dos trabalhos, em que o indivíduo, pela palavra discursiva, mostra quem é. É sob esse contexto teórico, em que a palavra processo designa automatismo determinado por leis de pura necessidade, sequência destituída de qualquer espontaneidade ou livre arbítrio, que a autora acredita, com certa razão, dizer algo muito relevante quando define a cultura científica moderna como um processo.

Esse processo científico teria se agigantado ao ponto de sufocar as dimensões do trabalho e da política, empobrecendo a vida ativa do homem, reduzindo-a à atividade do labor. Assim, o labor científico moderno, do qual a algebrização/algoritmização das coisas é importante paradigma, se atrelaria tanto à crescente automação da produção supressora da criatividade artesanal enquanto possibilidade humana do mostrar o que faz, quanto à crescente "numeronomização"[1] que sufoca a palavra discursiva enquanto possibilidade humana do mostrar quem é. Segundo Arendt, na medida em que tal processo científico avança, vai se tornando cada vez mais difícil devolver ao homo faber o controle da sua produção, ou traduzir em palavras discursivas os símbolos matemáticos da linguagem, ao ponto de se poder afirmar que, em alguns casos, essa devolução/tradução se tornou impossível, sendo, portanto, irreversível o dano desencadeado pela cultura científica na vida ativa do homem moderno.

Notas(s):
[1] A meta da numeronomização, nesse sentido, é a de cortar ao máximo as palavras, a exemplo do que ocorre ao nome Hannah nos contextos das sub-rotinas de compactação da informação, que, ao se ver transformado em imagem de numerônimo — h4h [em que o número 4 indica a quantidade das letras intermediárias suprimidas] —, ilustra o resultado de um processo que retira do humano os seus caracteres centrais.

Referência(s):
ARENDT, Hannah. A condição humana. 9. ed. Tradução Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
COSTA, Israel Alexandria. O processo científico e a condição do homem moderno: uma leitura em torno da filosofia de Hannah Arendt. Arapiraca, AL: Grupo de Pesquisa Gnosiologia, Ética e Informação / CNPq / Ufal - Projeto Web Filosofia, 2021. Disponível em: https://www.gpgeinfo.org/p/arndtcnc.html. Acesso em: 7 maio 2021.

Atividade(s):
1) 405/pl/fc_s09